Dos arquivos do trotskismo brasileiro O Partido Socialista Revolucionário (PSR) Por Marcio L. Torres, junho de 2014 Temos a alegria de adicionar ao nosso Arquivo Histórico este artigo do extinto Partido Socialista Revolucionário e com isso atuarmos no sentido de contribuir com a recuperação de parte da história do trotskismo brasileiro – em grande medida esquecida ou negligenciada pelos grupos atuais que reivindicam nossa tradição. PSR: encontro de duas gerações revolucionárias O PSR foi fundado em 1939 e existiu até o começo da década de 1950. Durante esses anos, ele foi a seção brasileira da Quarta Internacional. A origem do PSR remonta às primeiras gerações de trotskistas brasileiros, que se organizaram em 1929 (apenas sete anos após a fundação do Partido Comunista do Brasil) com o nome de “Grupo Comunista Lenine” e que posteriormente formariam a Liga Comunista Internacionalista (LCI, seção brasileira da Oposição de Esquerda Internacional). O PC brasileiro, fundado em 1922, era um partido extremamente heterogêneo em seus primeiros anos. Muitos de seus fundadores possuíam origens anarquistas e não só não haviam rompido por completo com tal tradição, como possuíam uma formação muito deficitária (afinal, grande parte das obras de Marx e Engels sequer estava disponível no país). Assim, sua unidade política era frágil (basicamente reduzida à simpatia pela Revolução Bolchevique) e logo alguns anos depois já se expressariam entre alguns de seus quadros dirigentes aspectos da vulgarização stalinista do marxismo, com seu programa etapista. Essa fragilidade inicial do PCB explica, em grande parte, o porquê de ter levado tão pouco tempo para surgir um núcleo trotskista em seu interior, em oposição ao rumo stalinista da direção – sem perdermos de vista, claro, a batalha travada pela Oposição de Esquerda Internacional, que se esforçava nessa época por alcançar as jovens seções da Internacional Comunista e que encontrou em dirigentes como Mario Pedrosa, Lívio Xavier, Fúlvio Abramo, João Pimenta e Aristide Lobo a ponte para ser ouvida entre a militância do PCB. A repressão do regime Vargas contra a vanguarda do movimento operário, entretanto, não poupou os primeiros trotskistas brasileiros. Após alguns anos de trabalho realizado através do GCL e da LCI (1929-1935), essa primeira geração acabou se dispersando a força. Foi então que, em 1936, em uma tentativa de reorganizar as forças trotskistas dispersas pela repressão do Estado, membros da antiga célula do Rio de Janeiro da LCI se reagruparam e fundaram o POL – Partido Operário Leninista. Três anos depois, o POL se fundiu com uma ruptura do PCB originada em 1937 na seção regional de São Paulo e liderada por Hermínio Sacchetta – expulso do partido sob acusações de “trotskismo” e de promover lutas fracionais, ao liderar uma batalha interna contra a política da “Frente Popular” do Comitê Central e da Comintern. Tal ruptura, que contou com adesão de boa parte do Comitê Regional de São Paulo, deu origem à “Dissidência Pró-Reagrupamento da Vanguarda Revolucionária” que progressivamente aderiu aos pontos principais do programa trotskista. Assim, em 1939 foi possível a fusão do grupo de Sacchetta com o POL e sua adesão à recém-fundada Quarta Internacional. Os atritos de Sacchetta com a linha oficial do PCB (ditada diretamente por Moscou) vinham desde meados de 1934 e tinham muito a ver com o trabalho desenvolvido então pelos trotskistas brasileiros. Nesse ano, a LCI impulsionou uma firme campanha em prol de uma Frente Única Antifascista entre as organizações operárias, com o objetivo de derrotar nas ruas a fascista Ação Integralista Brasileira (AIB), que vinha então em um crescente. Na época, o PCB se opunha a conformar uma frente única com qualquer outro grupo, preferindo uma campanha “anti-guerra” politicamente estéril – posição que advinha da orientação ultraesquerdista que a burocracia soviética então seguia (durante o assim chamado “Terceiro Período”), igualando correntes reformistas do movimento operário com o fascismo sob o argumento de que ambas se pautavam pela manutenção do capitalismo (a tese do “social-fascismo”). Entretanto, diferentemente da Alemanha, onde a política criminosa do PC stalinista permitiu a vitória nazista sem nenhuma resistência significativa do proletariado, o fascismo verde e amarelo recebeu uma firme resposta de classe ainda no seu nascimento. Apesar do abstencionismo do PCB, os trotskistas conseguiram promover uma série de comícios e reuniões antifascistas – em especial na cidade de São Paulo. Seu aliado principal nessa luta foi a tendência anarcossindicalista que então dirigia a FOSP (Frente Operária de São Paulo, uma alternativa à federação sindical dirigida pelo PCB – a Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil). No dia 7 de outubro de 1934, a Frente Única Antifascista se preparou para sua maior investida contra a ABI: um ataque ao comício organizado na Praça da Sé, onde discursaria o dirigente fascista Plínio Salgado. Compreendendo a importância fundamental da iniciativa, principalmente depois da vitória de Hitler na Alemanha, Sacchetta usou sua posição de dirigente regional do PCB para fazer com que a militância do partido em São Paulo, rompendo com ordens expressas do Comitê Central, engrossasse as fileiras do contra-ato antifascista no último instante. A resistência operária foi heroica. Enquanto colunas de trabalhadores armados de porretes se dirigiram para a praça, cercando o comício fascista, outros tantos militantes se posicionaram nas janelas de algumas sedes de sindicatos localizados em prédios próximos e abriram fogo contra a escória reacionária. No desespero, os fascistas correram para todos os lados, arrancando seus uniformes verdes para que não fossem perseguidos pelos trabalhadores que os atacavam. O evento entrou para as manchetes de jornais e para os anais da história como “A Revoada dos Galinhas Verdes” – mas custou a Sacchetta seu posto de dirigente e seu prestígio entre a liderança do PCB. Certamente, tal evento foi fundamental para seu afastamento do stalinismo e sua progressiva aproximação com o trotskismo – da qual outros companheiros seus fizeram parte, como a conhecida feminista Patrícia Galvão, a “Pagu”. Dessa forma, a fundação do PSR foi fruto do encontro de duas gerações de revolucionários: uma primeira que remontava à gênese da tradição trotskista no Brasil, construída a partir da luta contra as formulações teóricas do Comitê Central do PCB e da Terceira Internacional stalinista, e que então era representada pelo POL; e uma segunda, liderada por Sacchetta e fruto de um rompimento progressivo de setores da regional de São Paulo do PCB no fim dos anos 1930. O cenário brasileiro no pós-guerra e o stalinismo No momento em que foi publicado o artigo do PSR que reproduzimos, o país passava por um importante processo político: a completa ruína do “Estado Novo”, um aprofundamento ditatorial da experiência bonapartista instalada em início dos anos 1930, sob a liderança do caudilho latifundiário Getúlio Vargas. Seguindo a política (herdada da recém-dissolvida Comintern) de aliança com os “campos progressivos” da burguesia, desde a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial o PCB vinha dando apoio ao governo – mesmo esse tendo prendido e torturado diversos de seus quadros, incluindo seu Secretário Geral, Luís Carlos Prestes. Com o enfraquecimento da ditadura, o Comitê Central do PCB defendeu a criminosa política de uma transição constitucional que não removesse Vargas do poder, aliando-se ao assim chamado “queremismo” – movimento em prol de uma Assembleia Constituinte com Vargas no poder. Essa política foi duramente criticada pelo PSR no artigo que se segue. Ao criticar a linha do PCB, o artigo do PSR dialoga diretamente com artigos e discursos de Prestes, principal dirigente e figura pública do partido à época. Seu discurso no Estádio Pacaembu (São Paulo), proferido em 15 de julho de 1945, pode ser encontrado transcrito em http://www.marxists.org/portugues/prestes/1945/07/15.htm. Já seu discurso no Estádio São Januário (Rio de Janeiro), proferido em 23 de maio de 1945, pode ser encontrado em http://www.marxists.org/portugues/prestes/1945/05/23.htm. Ambos são citados em determinados momentos do artigo do PSR e são muito reveladores da política defendida então pelos stalinistas brasileiros. Além das duras críticas feitas à política de colaboração de classes do PCB, o artigo em questão possui alguns outros méritos, como uma delimitação e análise das forças políticas de então segundo critérios internacionalistas e de classe, demonstrando a relação das frações da classe dominante com o imperialismo. No plano nacional, veicula uma denúncia classista das forças políticas que se apresentavam então para o pleito eleitoral. O PSR também não poupa críticas à burocracia stalinista em Moscou, corretamente caracterizada como uma degenerescência parasitária que punha em risco a existência do Estado Operário soviético através de sua política de “coexistência pacífica” com o imperialismo. Outra característica interessante do artigo é a firmeza com a qual o PSR trata a questão religiosa, deixando clara a incompatibilidade entre ideologias obscurantistas e o marxismo, ao criticar a perspectiva do PCB de negligenciar essa questão – algo comum em boa parte da esquerda brasileira atual, tendo em vista as dificuldades apresentadas pela existência de uma classe trabalhadora consideravelmente religiosa. Quaisquer que sejam as fraquezas do artigo que possamos detectar em retrospectiva, a adesão do PSR a perspectiva trotskista permitiu a tal grupo manter o quadro geral de uma linha revolucionária frente ao período do pós-guerra. E, conforme tal artigo demonstra tão bem, eles se encontravam em nítido contraste com os stalinistas. A denúncia do PSR da política de colaboração de classes do PCB coloca em cheque o balanço histórico que muitos stalinistas atuais fazem do PCB. Aqueles que imaginam alguma suposta integridade política do partido ao longo de sua história, ao se depararem com as críticas trotskistas feitas tanto pelo PSR quanto por seus predecessores, encontrarão sérias dificuldades em sustentar tal mito. Já uma série de stalinistas “ortodoxos” que se opõem à linha do PC soviético após seu XX Congresso (1956), encarando-o a partir de então como “revisionista”, tentam fugir do fato de que o oportunismo dos partidos comunistas pelo mundo teve sua raiz nas décadas de orientação de Stalin e da burocracia soviética desde meados da década de 1920. Além de não ter representado um rompimento consistente com as práticas burocráticas e colaboracionistas, tais correntes como os maoístas agrupados em torno do jornal “A Nova Democracia”, o atual PCR e alguns elementos isolados do atual PCB buscam jogar toda a culpa pelos erros e traições oportunistas que já não podiam esconder nas costas de alguns funcionários menores, sem jamais reconhecer no “grande organizador de derrotas” (Stalin) e em seus asseclas a causa das políticas criminosas seguidas pelos partidos comunistas oficiais. Para sustentar essa farsa, precisam fazer cambalhotas incríveis. Atualmente os maoístas do jornal “A Nova Democracia”, por exemplo, fazem críticas à política do PCB no pós-guerra que são (inadvertidamente?) muito parecidas com aquelas expressas no artigo do PSR que reproduzimos aqui. Eles condenam o pacifismo do PCB e sua colaboração de classes, por apoiarem Vargas e defenderem uma transição prolongada e pacífica ao socialismo. Entretanto, não só fazem tais críticas muitas décadas depois, a posteriori (enquanto somente os trotskistas combateram esse oportunismo à época), como não são capazes de ligar tais posições ao stalinismo de forma geral, já que permanecem defendendo o legado podre de Stalin. Encaram que estas posições criminosas do PCB teriam sido “desvios browderistas” (Earl Browder foi um dirigente direitista do PC americano que foi feito de bode expiatório), e não teriam nenhuma conexão com as posições defendidas por Stalin e pelo governo soviético no pós-guerra, os quais “A Nova Democracia” segue considerando que eram “revolucionários”: “O balanço superficial de 1935, tomado como um erro de tipo golpista, e a entrada do Brasil na guerra levam a direção do PCB a mudar a caracterização do governo Vargas, passando a considerá-lo um representante da ala 'progressista' da burguesia nacional, sendo um aliado da classe operária e cabendo ao partido apoiar setores progressistas no governo através da política de 'União Nacional'. É de suma importância destacar desde já que esta tese da existência de 'setores progressistas no governo', devendo então os revolucionários 'apoiar tal governo', é a enfermidade que se tornou crônica no movimento popular e de esquerda no país, manifestando-se quase que como ato contínuo na vida do partido comunista, de suas frações e da 'esquerda' brasileira, no período mais recente e dias atuais. A influência do browderismo como reformismo fica evidente quando, com o PCB já na legalidade, Prestes, em seu famoso discurso no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, afirma: 'Antes da guerra, nós, comunistas, lutávamos contra a democracia burguesa aliada dos senhores feudais mais reacionários e submissa ao capital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda'.” – Vitória sobre o nazi-fascismo, Conferência da Mantiqueira e as ilusões constitucionais. AND n. 82, de outubro de 2011. Disponível em: http://www.anovademocracia.com.br/no-82/3673-vitoria-sobre-o-nazi-fascimo-conferencia-da-mantiqueira-e-as-ilusoes-constitucionais Ao contrário do que crê “A Nova Democracia”, tais posições tem suas raízes no próprio Stalin e na liderança da Internacional Comunista stalinista, cuja política do “socialismo num só país” e posteriormente da “frente popular” conduziam à contenção da luta de classes em prol de uma unidade com partidos burgueses embelezados como “antifascistas”, “democráticos”, “progressivos”, “nacional-revolucionários” etc. etc. Isso é demonstrado pelo artigo do PSR através do paralelo traçado entre a política do PCB e a de Stalin, que também deu pleno estímulo na época à política traidora dos Partidos Comunistas europeus, como o francês e o italiano, em seu apoio aos fracos governos imperialistas “democráticos” estabelecidos após a derrota do nazismo. Achar que a política do PCB em 1945 estava de alguma forma em desacordo aos desígnios da liderança soviética é uma tentativa de falsificação com o objetivo claro de sustentar o mito de que o revisionismo só teria dominado o movimento comunista após a morte de Stalin. Os burocratas stalinistas sempre se utilizaram da tática de jogar toda a culpa por erros e oportunismos que já não podiam ser escondidos em burocratas locais, para se livrarem da sua responsabilidade, como fizeram com Browder nos EUA. Estamos diante de uma tentativa moderna (a posteriori) de fazer o mesmo. As dificuldades e o fim da trajetória do PSR Apesar do conteúdo correto do programa exposto no artigo do PSR em questão, ainda se sabe pouco a respeito das posições do partido em outras situações, o que impede a realização de um balanço crítico mais completo de sua história nesta nossa modesta contribuição. A maior parte das seções da Quarta Internacional na América Latina à época eram marcada por uma série de fragilidades políticas e organizativas e o PSR não escapou a esses problemas e dificuldades. Existem algumas pistas, por exemplo, que indicam algumas de suas fragilidades já durante a Segunda Guerra Mundial. Mario Pedrosa, veterano trotskista que esteve presente desde a fundação do GCL e se tornou uma importante liderança local e internacional (chegando a ocupar um assento no Comitê Executivo Internacional da Quarta, após representar as seções latino-americanas em seu congresso de fundação), havia se alinhado à fração Burnham-Shachtman em 1940, com sua proposta de abandono da defensa revolucionária da URSS após o pacto Hitler-Stalin. Pedrosa não só tentara influenciar o PSR em torno dessa posição, como parece ter feito o possível para dificultar a comunicação do partido com a Internacional após deixar suas fileiras – momento a partir do qual Sacchetta se tornou seu principal dirigente. Conforme um relatório apresentado na Conferência de Emergência da Quarta Internacional, em 1940, pelo seu Departamento Latino Americano: “O movimento pela Quarta Internacional no Brasil é um dos mais antigos no continente; ele foi organizado em torno de 1930-31. Desde sua formação, ele passou por diversas crises políticas e organizativas. Politicamente, ele tem sido um dos grupos mais ativos; mas devido à sua falta de uma liderança firme e estável, sua vida política assume uma forma desorganizada e se traduz, frequentemente, em crises organizativas. A ‘virada francesa’ [política de ‘entrismo’ em movimentos reformistas em meados dos anos 1930] acarretou em sua completa desorganização e levou um grande tempo para isso ser revertido. No momento, de acordo com as informações disponíveis, o grupo brasileiro apoia a posição dos desertores do SWP [fração Burnham-Shachtman]. Ele se constitui sob o nome de Partido Socialista Revolucionário. De acordo com um informe do Camarada Smith, ele possui cerca de cinquenta membros. Nós não temos relações diretas com eles, devido ao fato de Lebrun [Mario Pedrosa], seu representante, que desertou a Quarta Internacional, continuamente se recusar a nos entregar seu endereço.” – Relatório à Conferência de Emergência da Quarta Internacional pelo Departamento Latino-Americano. Aprovado em 19-26 de maio de 1940. Disponível, em inglês, em: http://www.marxists.org/history/etol/document/fi/1938-1949/emergconf/fi-emerg14.htm Nesse sentido, a mesma Conferência adotou uma declaração desautorizando Pedrosa e outros membros do Comitê Executivo Internacional alinhados a Shachtman a seguirem falando em nome da Quarta Internacional. Esse documento menciona uma carta enviada pelo PSR à maioria do Comitê, no qual o partido reafirma (até segunda ordem) sua centralização frente ao programa da Quarta em relação à defesa da URSS, mas informa da existência de sérias divergências internas quanto à situação – o que demonstra que Pedrosa foi capaz de influenciar parte de seus membros: “É importante mencionar que Lebrun [Mario Pedrosa] e Cia. já não representam absolutamente nada entre as fileiras da Quarta Internacional. (...) A autoridade de Lebrun residia sobre o mandato que lhe foi conferido pelo Congresso Mundial [1938], enquanto representante das seções latino-americanas. Todas as seções latino-americanas, até onde sabemos, se expressaram a favor da manutenção da posição de defesa incondicional [da URSS], isto é, de permanecerem leais às decisões do primeiro congresso mundial e aos princípios da Quarta Internacional. Até mesmo sua própria seção, a brasileira, em uma carta mencionada na declaração [da maioria do Comitê Executivo Internacional], se declarou pronta para continuar defendendo o slogan de defesa incondicional até que uma decisão internacional seja atingida, apesar de existir entre suas fileiras uma forte tendência derrotista. (...)” – Declaração Suplementar do Comitê Executivo Internacional. Aprovado em 19-26 de maio de 1940. Disponível, em inglês, em: http://www.marxists.org/history/etol/document/fi/1938-1949/emergconf/fi-emerg04.htm Os historiadores do movimento operário brasileiro ainda não desenvolveram pesquisas acerca do PSR que sejam tão aprofundadas em termos de informações e documentação quanto as produzidas sobre as organizações que o antecederam – em especial a LCI. Entretanto, sabe-se que ele angariou o apoio de importantes personalidades – como a já citada Pagu, que rompeu com o PCB para se juntar aos trotskistas (sua carta de ruptura pode ser lida em http://www.ler-qi.org/Carta-de-uma-militante) – além de terem passado por suas fileiras algumas figuras que se tornariam intelectuais marxistas de relevo nos anos seguintes – como Florestan Fernandes e Maurício Tragtenberg. Devido à atual insuficiência das informações disponíveis, ainda não se sabe com exatidão o que levou ao seu fim. É certo que o PSR passou por duros momentos de isolamento internacional após a ruptura de Mario Pedrosa, apesar de ter retomado contato no começo dos anos 1950. Em um documento aprovado pelo Terceiro Congresso da Quarta Internacional (1951), “Latin America: Problems and Tasks”, é mencionada a “seção reorganizada” do Brasil. Além das dificuldades em manter comunicações com o Secretariado Internacional após a saída de Pedrosa, o PSR parece ter passado por uma crise sem volta quando da ruptura entre pablistas e anti-pablistas na Quarta Internacional entre 1952-53. Alguns anos depois (por volta de 1956), parte de seus membros, como Sacchetta e Tragtenberg, fundariam a Liga Socialista Independente, organização frequentemente caracterizada por historiadores como “luxemburguista”, da qual também fizeram parte conhecidas figuras, como Paul Singer e Michael Löwy (atual dirigente do Secretariado Unificado). Em 1952, era fundado no país um novo grupo reivindicando-se trotskista – o Partido Operário Revolucionário, sob coordenação de Juan Posadas, então dirigente do Birô Latino Americano da Quarta Internacional. Esse, entretanto, já é outra página da história do trotskismo brasileiro, que teve lugar já sob o manto do revisionismo pablista. Conclusão O artigo do PSR foi originalmente publicado em 1945 sob a epígrafe “A pedidos”, no Diário Carioca – um periódico de grande circulação do Rio de Janeiro e que na época fazia oposição ao governo de Getúlio Vargas. Em suas oficinas, certamente trabalhavam alguns militantes do partido, seguindo a tradição do trotskismo brasileiro de ter forte inserção entre os trabalhadores gráficos e jornalistas. Não podemos saber ao certo, mas é possível que sua publicação tenha sido fruto de pressão da União dos Trabalhadores Gráficos, dirigida pelo PSR tanto no Rio quanto em São Paulo. Ele se encontra na edição número 5.263, de 12 de agosto, sob o título “O momento político e a posição do Partido Socialista Revolucionário”. Sua transcrição e atualização ortográfica foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário a partir de um exemplar disponível no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Ao que nos parece, tal artigo encontrava-se esquecido, pois não encontramos referências a ele mesmo em pesquisas de historiadores especializados no movimento trotskista brasileiro. Cabe ressaltar que existe uma tradução de tal artigo para o inglês disponível já há alguns anos na Encyclopedia of Trotskyism Online (https://www.marxists.org/history/etol/). Essa versão foi originalmente publicada em abril de 1946 em Fourth International (revista teórica do SWP norte-americano), v. 7, n. 4, sob o título “The Political Situation in Brazil”, com algumas modificações em relação à versão original em português. Sem a pretensão de termos esgotado as questões que cercam a existência do PSR, fica a nossa modesta contribuição à história do movimento operário brasileiro e à memória dos nossos antepassados programáticos, dos quais podemos tirar importantes lições para nossas lutas presentes. ALGUMAS INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS ABRAMO, F. e KAREPOVS, D. Na contracorrente da História – Documentos da Liga Comunista Internacionalista (1930-1933). São Paulo: Brasiliense, 1987. ALMEIDA, Miguel Tavares de. “Os trotskistas frente à Aliança Nacional Libertadora e aos levantes militares de 1935” in Cadernos AEL: trotskismo (v. 12, nº. 22/23). Campinas: Unicamp/IFCH/AEL, 2005, p. 83-117. CASTRO, Ricardo Figueiredo de. “Os intelectuais trotskistas nos anos 30” in REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). Intelectuais, história e poder (séculos XIX e XX). Rio de Janeiro: 7 letras, 2000, p. 137-152. FERREIRA, Pedro Roberto. “O Brasil dos trotskistas (1930-1960)” in Cadernos AEL: trotskismo (v. 12, nº. 22/23). Campinas: Unicamp/IFCH/AEL, 2005, p. 11-58. NETO, José Castilho M. Solidão Revolucionária – Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. *** “A pedidos” O momento político e a posição do Partido Socialista Revolucionário Originalmente publicado no Diário Carioca, n. 5.263, de 12 de agosto de 1945. O povo brasileiro mal começa a afastar as sombras trevosas da longa noite do Estado Novo. Compelida por fatores de ordem interna e, sobretudo, por motivos de ordem internacional, a ditadura aparentemente capitulou. Estão marcadas para 2 de dezembro do ano em curso as eleições presidenciais e para as Câmaras. Num desentorpecimento moroso, porém progressivo, todas as camadas populares principiam a mobilizar-se para o pleito eleitoral, deixando, contudo, entrever ainda certo desinteresse e ceticismo. O vírus totalitário, inoculado pela camarilha pré-fascista de Getúlio Vargas, não logrou, todavia, eliminar de vez a consciência política das massas populares do Brasil. Dia a dia, afloram para a vida partidária ativa novos setores. O proletariado brasileiro, de tão gloriosas tradições de luta e alvo mais golpeado pela fúria totalitária do getulismo, que o sangrou pela miséria crescente e o paralisou com recursos terroristas e de demagogia social, demonstra – embora ainda confuso sobre o itinerário a empreender – decisão de retomar seu curso histórico interrompido pelo golpe de 10 de novembro [de 1937]. As forças políticas em campo Agrupamentos políticos de várias colorações ideológicas, representando interesses econômicos os mais diversos, começam a proliferar por todo o país. Deles, três correntes principais, pelo seu valor quantitativo, ocupam o cenário brasileiro: duas disputam a presidência da República e representações parlamentares e a terceira declara-se, antes de mais nada, pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Agrupam-se em torno da legenda do Partido Social Democrático, os adeptos francos e aparentes do general Gaspar Dutra, ministro da Guerra, considerado candidato situacionista à presidência da República [ao final, foi Dutra o candidato eleito]. Não obstante a sua heterogeneidade, dado o caráter de nossa economia e a imaturidade histórica da classe burguesa brasileiras, as forças que integram a corrente dutrista representam o que de mais nitidamente reacionário há entre os detentores dos meios de produção no Brasil. Reúnem-se sob a bandeira do P.S.D. o industrialismo e o grande comércio nacional em sua expressão mais acabada (os Sres. Roberto Simonsen, Matarazzo, Euvaldo Lodi, Gastão Vidigal, Brasilio Machado Neto, etc.) – o grupo industrialista de tendências abertamente protecionistas e com ligações mais estreitas com o imperialismo inglês. Aparentemente, todo o aparelho estatal, através das interventorias [modelo implementado por Vargas para controlar os governos estaduais], forma igualmente ao lado do general Gaspar Dutra. Bem mais heterogênea pelo seu conteúdo econômico-social que a primeira facção, a “União Democrática Nacional” constitui um amálgama da burguesia rural (PRP [Partido Republicano Paulista], PRM [Partido Republicano Mineiro], com os Sres. João Sampaio, Julio Prestes, Alberto Whately, Artur Bernardes, etc.), e das classes médias remanescentes do “tenentismo” (como Jurací Magalhães, José Américo, Manuel Rabelo, Virgilio de Melo Franco, Miguel Costa, Eliezer Magalhães, etc.), comércio médio e setores da pequena burguesia urbana de tendências radicais no campo das reformas sociais: União Democrática Socialista, Movimento Libertador, Intelectuais franco-atiradores, etc. – a chamada “esquerda democrática”, de inclinações socializantes. Mal grado a presença “circunstancial” de fortes núcleos de latifundiários, o conteúdo econômico-social desse agrupamento determina e revela, como traço dominante em sua expressão programática, tendência liberal tanto no campo econômica, manifestada pelo não-intervencionismo estatal e pelo livre-cambismo, como no plano político, expressa pela concessão de liberdades públicas e democracia operária (liberdade sindical e direito de greve). Na esfera internacional mantém laços mais chagados com o imperialismo norte-americano, principal consumidor de nossos produtos agro-pecuários e matérias primas – fornecendo, em troca ao Brasil, capitais e produtos mecano-faturados. Extremamente mais complexa que as duas correntes anteriores, apresenta-se a que se poderia denominar “prestista-queremista”. Muito embora esteja bem distante de possuir “unidade orgânica absoluta”, engloba tendências que, com “objetivos próprios”, visam centralmente, por mais que o procurem dissimular, o afastamento das eleições presidenciais. Seus chefes manifestos são Luis Carlos Prestes, líder do stalinismo no Brasil, e o ditador Getúlio Vargas. Se as molas internas da posição de Prestes encontram sua explicação mais em fatores internacionais que nacionais (manobras da diplomacia de Stalin, para conseguir-se governos “amigos”, relações de comércio, etc.), a posição de “apaziguadores” dos dirigentes do Partido Comunista do Brasil, que lutam pela “ordem” e pela solução “pacífica e unitária” da crise brasileira, com a mão estendida a uma imaginária “burguesia progressista”, finca raízes por mais estranho que possa parecer – na mesma base bonapartista da ditadura pré-fascista de Getúlio Vargas. Como até há pouco a ditadura se situava “acima” dos grupos políticos beligerantes para manter a “ordem” e proteger a propriedade, pretendendo desempenhar papel de árbitro, assim, agora, Prestes e seus seguidores ex-comunistas abandonam, totalmente, o campo da luta de classes, em busca de um “desenvolvimento pacífico da humanidade” por eles idealizado – e abandonam, igualmente o internacionalismo, como inútil, em face da “cooperação crescente das grandes potências”. Com sua posição de equidistância das candidaturas e com o seu semi-alheiamento da luta presidencial, reivindicando em primeiro lugar a convocação da Assembleia Constituinte, “com Vargas e comparsas ainda no poder”, Prestes revela o caráter bonapartista de sua política e efetiva “na prática”, um bloco do PCB com os remanescentes do Estado Novo. Não é por mera casualidade que a posição de Prestes hoje se confunde quase inteiramente com o bonapartismo pré-fascista de Getúlio Vargas. A ideologia termidoriana de Stalin, que promoveu a degenerescência do Estado Operário Russo, projeta-se sobre todas as antigas seções da defunta III Internacional. Daí a razão de Prestes levar os ex-comunistas do Brasil, com algumas exceções, a essa posição de nacional reformismo bonapartista, condensada no programa lido em São Januário e preterido, com acentuada nota demagógica, para “todo o povo” de São Paulo no Pacaembu. O bonapartismo prestista, com sua obsessão “anti-golpista” e “apaziguadora”, recorre ao mesmo arsenal da demagogia social de que lançou mão Getúlio para justificar o golpe de 1937, visando defender a dominação de classe da burguesia contra a agitação eleitoral de seus próprios partidos políticos. Se, com essa posição, leva água ao moinho da ditadura que, como aparelho estatal, tudo tentará fazer para sobreviver, é verdade, também, que Prestes tem objetivos próprios nacionais-reformistas, que procura realizar com a participação de sua tendência “num governo de confiança nacional”. Na órbita externa esse governo atenderia às aspirações de sobrevivência da casta burocrática que domina a Rússia, hoje em acentuada regressão nacionalista, promovida pelos senhores do Kremlin. As razões porque, não obstante essa criminosa política de colaboração de classes, o PC do Brasil vem conquistando certo prestígio de massas, residem no profundo atraso político de certos setores do proletariado brasileiro, entravado em sua formação ideológica nestes últimos quinze anos, pela linha nefasta da defunta III Internacional e pela demagogia totalitária do Estado Novo; de outra parte porque mais do que comunismo, as camadas pequeno-burguesas e largos setores “plebeus” vêem em Prestes o radicalismo democrático do antigo prestismo da Coluna [Prestes-Maia, principal destacamento do ‘tenentismo”], que se confunde com suas limitadas aspirações de hoje. Pouco difere a base de massas do “queremismo” [setor que defendia a permanência de Vargas na Presidência] da de Prestes. Com exclusão do setor do prestismo que acompanha Prestes por nele entender estar o símbolo do comunismo, trabalhadores e intelectuais que antes da libertação do chefe do PC do B. seguiam Getúlio Vargas com o apoio dissimulado que hoje os stalinistas emprestam ao “queremismo”, se integram praticamente numa só corrente “prestista-queremista”, que pode desaguar num “golpe branco”, tomando a forma de “governo de confiança nacional”. Os discursos – plataforma de Prestes Mesmo ao mais bisonho dos marxistas, àquele cujo conhecimento da doutrina de Marx e Engels não vai, ainda, além do “ABC do Comunismo”, as teses defendidas por Prestes em seus discursos devem ter soado como as teorias de Paracelso a um discípulo de Saddy ou Ashton. Seria ultrajante aos próprios “socialistas humanitários” do século XVIII estabelecer-se um paralelo analógico entre suas ideias e as do “líder nacional”. O falso radicalismo pequeno-burguês do chefe do P.C.B. não consegue sequer mascarar o abandono total do marxismo pelo antigo capitão da “Coluna Prestes”. As fontes de sua linha geral são visíveis. A orientação “tático-estratégica” do P.C.B. emana da afirmativa de Stalin de que “terminou o período de guerra, e começou o período do desenvolvimento (!) pacífico”. Essa constatação do mágico do Kremlin bastou para que seus satélites no mundo todo se apressassem em lançar ao desvão das coisas imprestáveis até mesmo a fraseologia pseudorrevolucionária. Para Prestes, a crise brasileira só encontrará solução justa através de uma União Nacional pela “colaboração sincera (!) e leal (!) de todos os verdadeiros (!) patriotas, sem distinção de categoria social, ideologias políticas e credos religiosos”. E, agora a justificação “teórica”, pela natureza dos problemas brasileiros que “são problemas da revolução democrático-burguesa”: a solução desses problemas “interessa, sem dúvida, ao proletariado, que em países como o nosso sofre muito menos da exploração capitalista do que da insuficiência do desenvolvimento capitalista.” A extensão dessas ideias de colaboração de classes ao domínio internacional, leva o orador de Pacaembu a dividir o capital financeiro, isto é, o imperialismo, em colonizador e benéfico. Torna-se evidente, pois, que com tal ordem de ideias, que nem mesmo encontram amparo nos mais servis reformistas da II Internacional, o Sr. Luiz Carlos Prestes se atole no pântano da colaboração com a ditadura, a qual dá “apoio franco, aberto e decidido” na sua “marcha para a democracia e enquanto assim proceder”, porque a “prática verdadeira (!) e sincera (!) da democracia é coisa das mais necessárias em nossas terras”. Dos arroubos líricos de Prestes sobre União Nacional, verdadeira democracia, capital estrangeiro benéfico, partido comunista de todos (céticos, agnósticos, ateus, católicos, etc.), o proletariado consciente, formado na escola do marxismo, só pode ser levado a uma conclusão: o chefe do P.C.B., mais do que um revisionista da teoria revolucionária de Marx, Engels, Lenin e Trotsky, é um renegado do socialismo. Não cabe aqui justificar com textos dos mestres do socialismo científico o que afirmamos. Basta para isso a simples leitura do “Manifesto Comunista” de 1848, ou então do “Imperialismo, última etapa do capitalismo” e “O Estado e a Revolução” de Lenin. O idólatra da “ordem” e da “solução efetiva, sem maiores choques e atritos, dos graves problemas econômicos e sociais da hora que atravessamos” finge ignorar que na sociedade capitalista a “ordem” sempre significa a submissão do proletariado à classe dominante e que as soluções “sem maiores choques e atritos não podem deixar de ser senão as soluções impostas pelos detentores das fábricas e das terras aos seus escravos assalariados. Suas declarações místicas em torno da democracia nada tem a ver com o conceito marxista desse regime, em que a “escravidão assalariada é o quinhão do povo”. Prestes ignora, ou finge ignorar, que os leninistas, sempre que lutam pela república democrática, o fazem apenas porque nela veem a melhor forma de governo sob o sistema capitalista, sem perder de vistas que esse regime é o que mais meios proporciona ao proletariado para este atingir o socialismo, e que jamais constitui para a classe avançada um fim em si. A União Nacional “de todos os verdadeiros (!) patriotas sem distinção de categoria social, ideologias políticas e credos religiosos”, preconizada pelo “caudilho”, é a hipertrofia colaboracionista de tática de Frente Popular, de tão trágicas consequências para o proletariado espanhol e francês. Mais do que a Frente Popular, a União Nacional apaga de vez as delimitações de classes no Estado burguês, o que quer dizer, subordina sem restrições o proletariado ao aparelho burocrático-policial da dominação capitalista. União Nacional implica abandono da luta de classe, que redunda, na prática, na entrega dos trabalhadores de punhos e pés atados aos donos das fábricas e das terras. O apelo aos “verdadeiros patriotas” feito pelo “guia” dos stalinistas, não pode ser dirigido às massas operárias urbanas e rurais. Só quando o proletariado se apodera do Estado é que passa a ter uma pátria a defender. Surge nele, então, o sentimento de patriotismo revolucionário, que não deve ser confundido com o nacionalismo chauvinista da burocracia soviética. Por ora, pertencem às classes dominantes os “verdadeiros patriotas” do Brasil. O Partido Comunista apresenta-se hoje como partido de “todos”. Nisso, também, o pensamento de Prestes não se eleva um milímetro de um vulgar “populismo”, agravado pelo caráter da época em que ressurge. Igualmente, a esse respeito, de nada valem ao líder do P.C. os ensinamentos do leninismo sobre a natureza do “partido do proletariado” – organização rigorosamente da classe operária, estruturada por uma ideologia materialista e ateia. Como não podia deixar de ser, a mentalidade pequeno-burguesa e colaboracionista do chefe projeta-se no plano organizatório, plasmando uma contrafação de partido comunista, que se esboroaria ao primeiro choque decisivo que viesse a travar com a burguesia. Não é de outro teor a consistência das ideias econômicas de Prestes, na “política prática”. Quando não contorna as questões que mais afligem o proletariado, como a carestia da vida, o pauperismo, as condições de trabalho, indicando “soluções” genéricas que não podem ser entendidas pelas massas trabalhadoras, ou se abre em desbragada demagogia nociva à classe operária, ou descamba para fórmulas primárias, rejeitadas como inócuas até pelos economistas burgueses. Desconhecendo ou fingindo desconhecer a lei do desenvolvimento desigual do capitalismo na esfera nacional e internacional para afagar a sua idealizada burguesia “progressista” industrial, poupa esta voraz devoradora de “lucros extraordinários”, desfechando o furor de sua crítica sobre os latifundiários. Sem dúvida, está no primeiro plano das transformações radicais porque deve passar o Brasil a questão da distribuição das terras. Porém, não nos moldes indicados pelo “chefe nacional”. Se a experiência revolucionária mostra que em determinadas condições o problema agrário pode e deve ser apresentado no plano da “legalidade burguesa”, isto não significa que deva ser desfigurado, por contingências de adaptação ao Estado capitalista em seus objetivos finais: “a revolução agrária”. Se não se pretende disseminar confusão na mente das massas trabalhadoras rurais, deve-se, dentro dos quadros do regime burguês, desfraldar a reivindicação de confisco das propriedades territoriais que passem de certa extensão, variável segundo as regiões. Ainda assim, a expropriação, sem indenização, das grandes glebas, não pode apresentar-se desvinculada de outras medidas de caráter revolucionário como o controle operário da produção. Reivindicações dessa ordem não são, porém, lançadas arbitrariamente. Impõem-se condicionadas por determinada conjuntura econômico-política, quando a relação das forças sociais começa a manifestar-se favorável ao proletariado. No entanto, o obsessivo menchevismo nacional-reformista de Prestes o leva a reduzir a questão agrária brasileira ao problema da criação de “mercados internos”, para o desenvolvimento da sua idealizada burguesia “progressista”... Desprezando as fecundas experiências das lutas camponesas da história, e, impelido por seu entranhado oportunismo, o lendário capitão apresenta, para um dos mais vitais problemas brasileiros, uma solução utópica e reacionária. As vociferações de Prestes contra os “trotskistas” A doutrina de Prestes nada tem, pois, de comum com o marxismo leninismo. As consequências de sua renúncia teriam efeitos bem menos nocivos se o famoso capitão o confessasse de público. Não o faz, porém. E, assim, se torna um mistificador do proletariado. Para mascarar a capitulação diante da burguesia, e o jogo combinado que trava com a ditadura, o líder stalinista cobre de insultos todos quantos lhe denunciam o oportunismo. Os marxistas revolucionários, que qualificam com o termo próprio a política colaboracionista do P.C.B: Traição. E os intelectuais de esquerda e a oposição “liberal”, que lhe exprobram o apoio ao ditador Getúlio Vargas e ao Estado Novo. O orador da “festa” do Pacaembu, com a imprudência do mentiroso consciente, envolve sob o mesmo rótulo de trotskistas os socialistas revolucionários – discípulos de Lenin e Trotsky – e a esquerda da pequena burguesia, que nada tem de comum com o marxismo. E as críticas às suas palavras, “ordeiras e seguras”, às suas posições falsas, que deram novo alento à ditadura, o “caudilho” as chama de “provocações a serviço do fascismo”. A “canalha trotskista”, para esse “Füher” semicolonial, não são unicamente os marxistas da mesma escola de Lenin e Trotsky, que, fiéis à teoria dos chefes do bolchevismo, não procuram ludibriar o proletariado com colaboração de classes e patriotismo pequeno-burguês; que apontam às massas populares o caminho da luta sem quartel contra a ditadura getuliana e todas as demais formas de despotismo; que não veem na burguesia brasileira nenhuma fração “democrático-progressista”; que não dissimulam seu objetivo final, o comunismo, através da ditadura do proletariado, apoiado no semiproletariado rural e no campesinato pobre, e que declaram abertamente, sem rebuços, que só pela via da luta de classes e de internacionalismo o proletariado poderá minorar esta miséria presente e, quando as condições econômico-politico-sociais o permitirem, libertar-se definitivamente dos grilhões da escravidão capitalista. Para Prestes, a “canalha trotskista” abrange, igualmente, os intelectuais da pequena burguesia socialista que, embora anti-trotskista, lutam honestamente contra o ditador Vargas e seus comparsas e por uma democracia formal. Lançando num mesmo saco marxistas revolucionários – que se orgulham de ter tido em suas fileiras um militante proletário da envergadura de Leon Trotsky, cujo papel histórico e ensinamentos marxistas as vociferações caluniosas jamais lograrão destruir – e pequenos burgueses radicais ou liberais oposicionistas, dedicados a desmantelar a ditadura burocrático-policial do usurpador do [Palácio do] Catete, o chefe do P.C.B. visa atemorizar a estes últimos, forçando-os a silenciar a crítica a seu oportunismo desastroso. Nisso, também, Prestes se utiliza dos métodos de seu “aliado” de hoje que, até há pouco, chamava de comunistas a quantos ousassem se opor à totalização do Brasil. Berre, pois, o Sr. Luiz Carlos Prestes, contra os “trotskistas”, que a ditadura e a burguesia em conjunto se alegrarão. A posição dos socialistas revolucionários Os marxistas revolucionários rejeitam como falsa e de traição deliberada a perspectiva do “desenvolvimento pacífico” da sociedade, iniciado, seguindo Prestes e seu mestre, com a derrota militar do fascismo. Aos ex-comunistas de defunta III Internacional com seus Stalin, Togliatti, Browder, Galagher e consortes, coube, desta vez, ao fim de uma segunda chacina imperialista, descobrir o processo de “adaptação do capitalismo” que os Bernstein, Briand, Millerand, e companhia anunciaram quando se encerrou a matança de 1914-18. Os reformistas de nossos dias, em sua volúpia “apaziguadora”, estão se precipitando. A destruição dos bandidos nazi-fascistas não só, nem remotamente, tem algo que ver com a abolição dos antagonismos entre o proletariado e a burguesia, como em nada reduzirá as contradições de interesses entre os vários grupos imperialistas. Que não se deixe iludir a classe operária, com a vitória dos trabalhistas ingleses [Labour Party] ou com a participação dos comunistas de “fachada” nos governos burgueses de coalizão. A burguesia sabe defender-se. Ela concede com a mão esquerda o que pretende tomar, em dobro, com a direita. A participação dos falsos esquerdistas no poder é o “consolo” dado pelo capitalismo ao proletariado e às massas populares, que saem mais miseráveis do que nunca desta guerra. É, também, o recurso de que se servem as classes dominantes, a fim de evitar “explosões” revolucionárias. Os reformistas da defunta III Internacional, em sua ânsia conservadora, de “soluções pacificas e unitárias”, se antecipam, com suas teses de “desenvolvimento pacífico”, a uma pouco provável nova estabilização relativa do sistema capitalista. Mas, com seu descarado e cínico oportunismo, “de fato, para ela concorrem”. Pregam a “paz social”. Sufocam os movimentos grevistas e insurrecionais. Promovem ou endossam todos os novos acordos imperialistas. Esses valetes do capitalismo, representados no Brasil por Prestes, poderão desempenhar, provisoriamente, como já sucedeu em outras situações históricas, o papel de médico-de-cabeceira do moribundo. Contudo, o efeito de sua terapêutica é precário. Porque o doente agonizante não tem mais salvação. As duras e terríveis derrotas impostas ao proletariado mundial pelas classes dominantes, nestes últimos vintes anos, “em consequência das traições de sua antiga vanguarda – a III Internacional”, não podem deixar de fazer sentir suas consequências nos dias presentes. Mas, em virtude de sua própria missão histórica, o proletariado tem limitadas possibilidades de recuperação. Com esta guerra, a burguesia mundial não deu solução a um só de seus problemas, ao contrário, agravou-os extremamente. As massas populares europeias, empobrecidas ou esfomeadas, já se defrontam com o inverno, em condições da economia do Velho Mundo mortalmente desorganizada. As reações anti-capitalistas da classe operária, agora ainda inseguras e confusas, poderão assumir, sob a direção da nova vanguarda que se cristaliza – a “IV Internacional” – proporções tais, que autorizem o inicio de novo ciclo de revoluções proletárias pela instauração do “Socialismo”. Contudo, se sólidas perspectivas há nesse rumo, as massas trabalhadoras e sua legítima vanguarda – os marxistas revolucionários – ainda se encontram distantes dele. No Brasil, é hora de batalhas defensivas de retaguarda, “contra a miséria crescente e pela democracia operária”. No curso de escaramuças de classe pela “reconquista e fortalecimento dos sindicatos”, hora sob controle de uma burocracia corrupta a serviço do Ministério do Trabalho e da polícia; de arremetidas por aumento de salário mínimo, como base, e por uma escala móvel dos salários; por melhores condições de trabalho, pela constituição e direito de existência legal dos “Comitês de fábricas, fazendas e quartéis”; pela organização e manutenção de seus “partidos” e “jornais proletários”, a classe operária readquirirá e ampliará a confiança em suas próprias forças, desenvolverá sua consciência de classe, delimitando, com rigor e precisão, seu próprio campo e o de seus inimigos. Esse plano de lutas parciais, posto em execução, rearticulará as forças operárias, unificará suas fileiras, forjará o exército do trabalho para as “batalhas decisivas da vanguarda”, contra o “Capitalismo” e pelo “Socialismo”. O proletariado não deve deixar-se envolver pela embriaguez eleitoral. O voto, que, para os reformistas e oportunistas de quaisquer colorações, constitui a panaceia para todos os males sociais, para a classe operária não passa de um instrumento acessório de luta política. Pode e “deve” ser utilizado como recurso auxiliar, particularmente na conjuntura econômico-política em que se encontra o Brasil. Mas deve ser exercido como outra “afirmação” de consciência de classe. As sereias eleitoreiras de todos os agrupamentos se voltarão agora, com redobrada hipocrisia e novas e sedutoras promessas, para as massas populares, requestando-lhes os votos. Pusemos à mostra o conteúdo político, econômico e social das três mais poderosas correntes que se apresentam, “legalmente” para disputa das urnas: O “Partido Social Democrático”, utlrarreacionário, efetivamente continuador legal do Estado Novo, e aglutinador do que há de mais conscientemente contrarrevolucionário do fascismo e semi-fascimo brasileiros, até às oligarquias do passado. A “União Democrática Nacional”, popularizando as oposições liberais, em conjunto “conservadora”, com tinturas democráticas, que lhe são emprestadas pela “ala esquerda” formada pelo radicalismo pequeno-burguês. O “prestismo-queremismo”, de composição mais popular pelo predomínio nele do Partido Comunista do Brasil, que especula com os anseios socialistas do proletariado, mas que, “na prática”, se situa mais “à direita” que as oposições burguesas, prestando-se ao jogo da ditadura em seus esforços de sobrevivência, quer por um possível “golpe branco”, quer pela indicação não menos possível do nome do ditador às eleições presidenciais. Esse quadro político é, ainda, passível de recomposição. Representa, porém, em suas linhas gerais, as tendências dominantes da situação brasileira. Nenhuma destas candidaturas à presidência da Republica, pelas suas origens de classe e pelas forças sociais que as plasmaram, deve merecer a confiança do proletariado urbano e rural, do campesinato semiproletário e pobre. Mais do que o pleito presidencial, que não obstante, “pode” constituir uma etapa, o que interessa ao povo brasileiro, “em seu conjunto”, é a convocação de uma “Assembleia Constituinte”, eleita por sufrágio universal, direto e secreto. Nenhuma fé supersticiosa nutrimos pelas “virtudes” das eleições burguesas, como, também, quase nada pode esperar o proletariado de parlamentos constituídos dentro dos quadros do Estado Capitalista. Todavia enquanto as relações das forças sociais se mostrarem desfavoráveis às massas operárias, não lhes é permitido substituir, no poder a burguesia historicamente já falida, desta deve arrancar a maior soma de liberdades democráticas, a fim de se organizar livremente e se educar revolucionariamente. É só nesse sentido que lutamos por eleições livres, e por uma Assembleia Nacional Constituinte, em que a voz do proletariado de vanguarda possa se fazer ouvir. Frente única da ação Em sua luta pela conquista de “democracia operária” (liberdade de associação sindical e partidária, liberdade de imprensa para os trabalhadores, etc.) o “Partido Socialista Revolucionário” declara-se disposto a marchar em frente única com todas as forças democráticas e socialistas do campo pequeno-burguês, bem como, “através de atos concretos”, com a oposição liberal voltada “agora” contra o Estado Novo, principal inimigo, na presente etapa da democracia proletária, por que os marxistas revolucionários lutam dentro do regime burguês. Essa frente única “dinâmica de ação”, não implica no compromisso de renunciarem os socialistas revolucionários à sua autonomia organizatória e à crítica de ideologia de seus aliados “circunstanciais” e deve manifestar-se, desde já, em atos concretos pela conquista das aspirações mais sentidas pelas massas populares. No plano eleitoral, pode atingir a forma de um acordo técnico, para conjugação de forças socialistas e radicais, sob uma legenda comum. Os socialistas revolucionários declaram-se dispostos a lutar, ombro a ombro, com quantos o estejam “efetivamente” também, contra as manobras ditatoriais visando impedir as eleições, o que, “de fato”, redundaria na restauração das formas terroristas do governo com que o Estado Novo se sustentou até princípios de 1945. Reivindicações imediatas Entendemos que, como “objetivos imediatos”, o proletariado e as massas populares têm à sua frente as seguintes tarefas: 1º) Derrubada do Estado Novo e consequente abolição da “Constituição” de 1937, com todos os seus apêndices. Convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal, direto e secreto, extensivo a todos os maiores de 18 anos, aos praças e aos analfabetos. 2º) Liberdade de associação político-partidária sindical e cultural; liberdade de imprensa. Reconhecimento de existência legal dos organismos de locais de trabalho (comitês, grupos sindicais, seções partidárias, etc.). 3º) Irrestrito direito de greve. 4º) Elevação dos salários mínimos em 50% com a incorporação do abono e adoção da escala móvel de salários em correlação aos artigos de consumo. O salário, com o mínimo estritamente assegurado, segue, assim, o movimento dos preços. 5º) Supressão do Tribunal de Segurança e dissolução das polícias políticas e especiais. 6º) Escala móvel de horas de trabalho, “sem redução dos salários de oito horas”, tendo em vista as perspectivas de desemprego em futuro próximo. Seguro contra o desemprego. 7º) Melhora da legislação trabalhista e consequente revogação de todas as leis fascistas nesse domínio. Extensão de legislação trabalhista aos trabalhadores rurais. 8º) Melhora das pensões e aposentadorias, assegurando-se aos aposentados e beneficiários o recebimento integral dos salários, que devem acompanhar o movimento da escala móvel. Unificação dos Institutos e Caixas [previdenciários] e entrega da direção aos trabalhadores. 9º) Abolição dos impostos indiretos e confiscação dos lucros extraordinários, como uma das formas de luta “efetiva” contra a crescente carestia da vida. A tarefa estratégica dos socialistas revolucionários não consiste em reformar o capitalismo, mas em suprimi-lo. Torna-se evidente, pois, que as reivindicações acima capituladas não constituem nosso “programa de transição”, já dado a público, e muito menos nosso programa máximo. Representam um corpo de aspirações “mínimas” e imediatas do proletariado e das massas populares, para cuja conquista no todo ou em parte o P.S.R. chama a classe operária à luta e as organizações socialistas e populares “à frente única de ação”. Todo movimento reivindicatório ativo, na hora que passa, transforma-se em golpes acertados contra a ditadura e seus sustentáculos. Tanto mais asseguradas estarão as eleições quanto mais o proletariado e as demais camadas do povo nelas interessadas se mobilizarem em ações concretas contra o Estado Novo e pelos seus interesses mais imperiosos. Rio de Janeiro, julho de 1945. O Comitê Central do Partido Socialista Revolucionário. (Seção Brasileira da Quarta Internacional) |